Chá de Livros 2010-04-21
Mais um momento de grandes emoções vivido na nossa biblioteca. Envolvemo-nos nos aromas do Chá de Livros, ouvindo um texto original da Professora Helena Trigueiros. Os nosso bolos fizeram honras aos nossos amigos, os Livros. À nossa volta, livros usados esperavam a vinda dos seus futuros donos. Mais ao lado, a exposição dos velhos Anciãos, livros do início do Séc. XVII, autênticas relíquias que despertam a curiosidade de todos os visitantes.
O carrinho de chá
Aos domingos, a porta de castanho da sala abria-se, de par em par. Deslizava um carrinho de chá, com abas redondas, coberto com uma toalha de linho branca, bordada a cheio, com flores azuis e amarelas. As chávenas azuis de porcelana da Vista Alegre, saiam do louceiro pelas mãos de uma das filhas que, invariavelmente, em forno bem quente, torrava fatias de pão com manteiga, no pyrex quadrado.
Na sala da casa velha, o chá amenizava o frio que teimosamente se agarrava às paredes de pedra. Ao centro, a Mãe sorria. Era ela que sempre enchia as finas chávenas, distribuía bolachas amanteigadas e fidalguinhos da Colonial. Primeiro a Sogra, que agradecia o gesto com uma infinita gratidão no olhar, depois os mais pequenos que pediam com uma mão e logo adiantavam a outra.
Havia sempre alguém que se sentava nos banquinhos de pedra da janela de guilhotina. O vapor do chá destilava a humidade das cortinas de folhinhos, pacientemente cosidos, em ponto de beijinho. Era sempre chá preto, ao qual se acrescentava água fervida para não ser demasiado forte.
Ao domingo não se trabalhava, todos sabiam que era pecado… nem tricot, nem bordado a bastidor, apenas era permitido tratar dos animais da quinta nas suas necessidades mais básicas. Depois do filme, na RTP, tomava-se chá, falava-se da semana que findava, das notícias que chegavam da família e dos artigos do Expresso. As crónicas do Vasco Pulido Valente e do Miguel Esteves Cardoso eram as mais comentadas. Mais tarde, havia também o semanário O Independente, que sempre vinha à baila, pelos mais à direita.
Todos os domingos, a casa grande ficava ainda mais cheia, preenchendo assim os espaços para que estava destinada. Vinham os tios e os primos da família comer um bolinho, feito na véspera, com ovos caseiros…para o chá. Se ela pudesse teria registado o momento em que o carrinho de chá terminava a sua missão. Guiado ao seu local de origem, bem mais leve e sem a chiadeira inicial, esperava outros momentos em que o chá, para além de aquecer a alma de cada um, elevava o espírito numa troca de ideias, sempre contundente, mas profícua para todos.
Um domingo ao fazer chá, alguém lhe lembrou o pyrex , as torradas e o carrinho que acompanhavam o chá da casa velha. A menina, agora Mãe, encheu as chávenas, distribuiu torradas e bolachas amanteigadas pelos seus, num inconsciente compromisso com o passado que, nela, sempre se há-de repetir.
O carrinho de chá, de abas redondas, não deixara nunca de carregar, sob a toalha de malmequeres, a memória da hora do chá, ao domingo, na casa grande.
Maria Helena Trigueiros Reis: Professora de Filosofia da Escola Secundária de Barcelinhos
Aos domingos, a porta de castanho da sala abria-se, de par em par. Deslizava um carrinho de chá, com abas redondas, coberto com uma toalha de linho branca, bordada a cheio, com flores azuis e amarelas. As chávenas azuis de porcelana da Vista Alegre, saiam do louceiro pelas mãos de uma das filhas que, invariavelmente, em forno bem quente, torrava fatias de pão com manteiga, no pyrex quadrado.
Na sala da casa velha, o chá amenizava o frio que teimosamente se agarrava às paredes de pedra. Ao centro, a Mãe sorria. Era ela que sempre enchia as finas chávenas, distribuía bolachas amanteigadas e fidalguinhos da Colonial. Primeiro a Sogra, que agradecia o gesto com uma infinita gratidão no olhar, depois os mais pequenos que pediam com uma mão e logo adiantavam a outra.
Havia sempre alguém que se sentava nos banquinhos de pedra da janela de guilhotina. O vapor do chá destilava a humidade das cortinas de folhinhos, pacientemente cosidos, em ponto de beijinho. Era sempre chá preto, ao qual se acrescentava água fervida para não ser demasiado forte.
Ao domingo não se trabalhava, todos sabiam que era pecado… nem tricot, nem bordado a bastidor, apenas era permitido tratar dos animais da quinta nas suas necessidades mais básicas. Depois do filme, na RTP, tomava-se chá, falava-se da semana que findava, das notícias que chegavam da família e dos artigos do Expresso. As crónicas do Vasco Pulido Valente e do Miguel Esteves Cardoso eram as mais comentadas. Mais tarde, havia também o semanário O Independente, que sempre vinha à baila, pelos mais à direita.
Todos os domingos, a casa grande ficava ainda mais cheia, preenchendo assim os espaços para que estava destinada. Vinham os tios e os primos da família comer um bolinho, feito na véspera, com ovos caseiros…para o chá. Se ela pudesse teria registado o momento em que o carrinho de chá terminava a sua missão. Guiado ao seu local de origem, bem mais leve e sem a chiadeira inicial, esperava outros momentos em que o chá, para além de aquecer a alma de cada um, elevava o espírito numa troca de ideias, sempre contundente, mas profícua para todos.
Um domingo ao fazer chá, alguém lhe lembrou o pyrex , as torradas e o carrinho que acompanhavam o chá da casa velha. A menina, agora Mãe, encheu as chávenas, distribuiu torradas e bolachas amanteigadas pelos seus, num inconsciente compromisso com o passado que, nela, sempre se há-de repetir.
O carrinho de chá, de abas redondas, não deixara nunca de carregar, sob a toalha de malmequeres, a memória da hora do chá, ao domingo, na casa grande.
Maria Helena Trigueiros Reis: Professora de Filosofia da Escola Secundária de Barcelinhos