O Lugar da Poesia
Rodrigo Araújo, 9ºB
Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]
Rodrigo Araújo, 9ºB
Corria o mês de setembro de 1942, mais precisamente uma semana após o Yom Kipur, um período de reconciliação importante entre nós, os judeus. Infelizmente ele ficou marcado pela minha detenção por alegadamente me ter dirigido à sinagoga, quando estes tais de nazis, chefiados por um compatriota nosso, que nos trocou por estes alemães, nos proibiram de o fazer. Eu bem sei o que fui fazer nesse dia, mas eles se precisarem inventam mais num mês do que o Da Vinci na sua vida inteira. Entretanto, passei duas noites nas instalações da SS de uma cidade vizinha, juntamente com outros judeus detidos em várias localidades próximas, tal como eu. Alguns pensavam que estas detenções seriam para agradar ao Führer, mas ninguém tinha certezas e quanto menos falássemos, mais hipóteses teríamos de sair dali.
Mas isso não aconteceu, e acabamos por ser todos levados para contentores, e os contentores para um navio. Pelo mar fizemos uma viagem de sensivelmente uma hora, sempre na escuridão do nosso contentor, onde estavam 10 pessoas, e com o cheiro desagradável a vómito, dado que uma mulher se gregou devido à oscilação da maré.
Depois de chegarmos, o nosso contentor foi aberto por um guarda da Kriegsmarine, algo que nos surpreendeu, visto que a marinha já estava a combater em inúmeras frentes numa guerra que já durava há três anos, e que não deveria ter disponibilidade para tratar de uns simples judeus.
Depois de tanto tempo lá dentro, o cheiro de mar soube-me tão bem como nunca, mas essa sensação foi sol de pouca dura, uma vez que eu, entretanto, já estava a ser levado para um forte do qual eu nunca tinha ouvido falar. Talvez fossemos cobaias de uma espécie de campo de concentração como o de Dachau ou como aquele mais moderno, o recém-criado campo de concentração de Auschwitz-Birkenau, só que nua versão no meio do mar, onde seria mais fácil encobrir informação.
Quando entramos no forte em si, vimos uma faixa com mais ou menos seis metros de altura, que vinha desde o teto até perto do chão com a suástica negra bem presente. Havia um pátio central, muito largo e cujo perímetro era constituído por celas onde nos acabariam por levar aos pares. Na altura, parecia apenas uma prisão, o que de certa forma era reconfortante visto que a ideia de ir para um campo de concentração, ainda por cima desconhecido e sem localização exata, era bastante pior que ir preso, mas nunca podemos ter certezas pois, às vezes, as aparências enganam.
Voltando à cela, que por sinal era bastante pequena, nada tinha para além do chão e das grades. Tive como companheiro um polaco que também foi detido em circunstâncias semelhantes às minhas. Como ele tinha emigrado para a Áustria em criança, ele sabia falar alemão, o que de certa forma impediu o entrave linguístico que se poderia, eventualmente, vir a formar. Ele apresentou-se e disse-me que se chamava Poupou, tinha vinte e cinco anos, que em criança tinha vivido numa cidade costeira e que ele era judeu, sendo esse o provável motivo dele se encontrar ali, tal como eu. Por minha vez eu disse que me chamava Hans, tinha trinta anos e que também era judeu. Ficamos logo bons amigos.
Os dias foram seguindo, sem nunca podermos abandonar as celas, nem mesmo para urinar. Já nem falo das fezes, visto que apenas nos davam pão e água para comer. De vez em quando, outros judeus eram levados para um corredor, uns levando horas, outros dias, para voltar às celas. O que eles iam lá fazer não sabíamos nem viríamos a saber.
Certa noite, um tenente e um guarda vieram ter connosco e abriram a cela. E eis que o tenente diz para o guarda:
- Fritz, estes são os últimos para o teste. Trata deles.
Prontamente, Fritz responde:
- Sim, tenente!
Em conformidade, o Fritz leva-nos algemados para o corredor misterioso. Lá havia muitas portas, e nós acabamos por ser levados para a última, aquela que ficava no fim do corredor, e que para a qual as paredes laterais do mesmo convergiam, dando a sensação de que estávamos a dirigirmo-nos para um beco sem saída. Nessa tal porta estava afixado o seguinte: ”Sala de Mergulho”. Fiquei confuso com o nome, mas logo percebi o porquê de ele ter sido escolhido. É que na verdade, a sala não era realmente uma sala, mas sim uma plataforma de mergulho. Preso à plataforma, estava um barco motor. Na parede onde estava a porta vimos inúmeras cordas penduradas.
Ele retirou-nos as algemas, mas de seguida atou-nos os pés e as mãos com as cordas. Seguidamente, eu e o Poupou, fomos levados pelo Fritz para o barco e ele de seguida ligou o motor.
- O que nos vais fazer? – Perguntou Poupou.
- Tenho ordens para vos levar para o meio do mar e vos atirar do barco, para testar os procedimentos da última sala desta nova prisão.
O meu coração parou, já nem queria saber que tinha descoberto que o forte era uma prisão. Estava simplesmente arrasado. E pela sua cara, o Poupou também estava.
E o Fritz continuava:
- Mas enquanto não chegamos às coordenadas que me foram pedidas eu vou contar-vos uma história…
- Uma história!? Vais-nos contar uma história num momento com este? – Respondi eu.
- Se quiseres eu atiro-te já! – Respondeu o Fritz num tom agressivo.
Face aquilo eu não tive resposta, e portanto, tive de engolir em seco aquelas palavras. E o Fritz prosseguiu:
- Eu faço parte dos DMPK, um grupo de militares alemães que apoiam o Comunismo, e que devido às ideias unipartidárias do partido dos trabalhadores, o partido NAZI, não conseguem exprimir as suas opiniões. Nós somos poucos e a maioria de nós são jovens que querem fugir da Alemanha. Já por isso é que entrei para a Kriegsmarine, para poder adquirir conhecimentos de navegação que me ajudassem numa eventual fuga. Quando soube que iria ficar encarregado de testar a sala de mergulho, sabia que era esta a minha oportunidade. Mas não podia pegar no barco sozinho. Tinha de vir com judeus para fazer o teste, quando na verdade iria usar o barco para fugir. Podia até atirar-vos ao mar, mas isso não valeria a pena, portanto estão com sorte. Eu levo-vos comigo.
O meu coração estava aos pulos, não sabia como expressar tanto alívio, mas não disse nem expressei nada, uma vez que não sabia o que o Fritz nos iria fazer quando chegássemos ao destino. Entretanto, ele continuou:
- Vamos viajar para a Suécia, por ser um país que fica relativamente perto, e que é neutro nesta guerra. Como tenho pena vossa vou-vos ajudar a pedirem asilo e a inserirem-se na comunidade judaica sueca, mas depois, nunca mais vos quero ver porque para os nazis, vocês estão mortos e se eles descobrem que eu ando convosco, eles vão ter mais vontade de me apanhar. E sim, os nazis vão-me encontrar e para consumar a fuga eu vou necessitar de apoio das autoridades suecas. Para além disso eu vou estar sempre alerta para o caso da Suécia decidir colaborar com o alemães, para evitar entrar ma guerra, porque se assim for eu vou ter que sair de lá o mais rápido possível e partir provavelmente para um país dos aliados. Mas isso é outra conversa é que quanto menos souberem melhor vão estar, e se vos perguntarem eu não disse nada. Agora durmam, mas é. Só devemos chegar lá pela alvorada e convém que tenham a energia para suportar o que o dia de amanhã tem reservado para nós.
E nós adormecemos, na esperança da liberdade que um militar nos oferecia, que o amanhã nos reservava e com o sentimento de que ao fim de tantos anos de opressão, que iriamos poder finalmente expressar a nossa religião, o nosso credo. Tínhamos em mãos um presente dado por Deus, que nos libertava tal como libertou o nosso povo, inúmeras vezes, como diz na Torah e como sempre nos ensinaram na sinagoga.
Rodrigo Araújo, 9º B